Sessão 3

07-02-2017


Hoje é terça-feira, dia de ensaio com a orquestra criativa. Cheguei mais cedo que o normal. Enquanto esperava pelo início da sessão, assisti ao desespero de um familiar que terminava de visitar um parente. Chorava muito. Fiquei comovida e sem saber o que fazer. Fui para o ensaio com uma maior sensibilidade do que o normal. Apesar de estar combinado, o maestro esqueceu-se de trazer a informação sobre todo o percurso do grupo da Cercifei.

O Zar começou o ensaio explicando-me que, a melhor forma de saber se uma ideia resulta, é experimenta-la. Por isso, no inicio de cada ensaio, nos primeiros 30 minutos, ele trás um novo instrumento para ter uma feedback da orquestrinha. Hoje esse instrumento era a Harpa eletrónica. 


Olhei atentamente para todos e notei que:

  • O indivíduo B estava muito triste. Normalmente é o mais alegre e divertido. Hoje estava cabisbaixo e apático.
  • O indivíduo F estava hiperativo, não conseguia estar quieto.
  • O indivíduo D estava calmo ... até o Rocco chegar. Não parava de repetir "O Tó Zé tem o dente partido. O Tó Zé tem que o tirar. Amanhã vou à Doutora. O Tó Zé portou-se mal."


Apesar das poucas intervenções, a voluntária, Dona Aida, tem um papel importante para a estabilidade do ensaio. O Rocco chega. O indivíduo V fez sinal como quem "chegas-te atrasado". No decorrer do ensaio uma utente da instituição, numa sala ao lado começou a gritar intensamente e cada vez mais alto. No meio do barulho dos instrumentos e do incomodo do berreiro ouvi alguém comentar: - "Parece tolinha". Ri-me de forma subtil.

Com o decorrer das secções, cada vez mais é perceptível que:

  • O indivíduo B tem uma voz muito doce e delicada; é muito afinado e tem uma tessitura vocal bastante extensa já para não falar no incrível sentido rítmico. Sempre que ele termina de cantar todo o grupo aplaude efusivamente (chegam mesmo a levantar-se para lhe dar um beijinho). Se repetirmos a canção todo este processo se repete. Sente-se confortável e radiante com os elogios agradecendo de forma poderosa: com os braços no ar diz "indivíduo B aqui para ti".  

  • O indivíduo B1 tem muitas dificuldades em afinar, no entanto, consegue, algumas vezes fazer uma terceira da melodia cantada.
  • O indivíduo D, apesar de não fazer ritmos muito elaborados, consegue manter a pulsação sempre certinha. 
  • O indivíduo F tem um prazer e um gosto enorme por aquilo que faz, mas é mesmo muito, muito, preguiçoso.
  • O indivíduo I, devido às suas limitações físicas e intelectuais, tem algumas dificuldades em tocar o Xilofone: sem orientação toca com as duas baquetas em simultâneo em qualquer nota e muito pianinho (provavelmente também não está sentado na posição mais confortável visto que o seu instrumento não está ao nível da cadeira);

O maestro decidiu ensaiar uma nova música para o espetáculo das marionetas da companhia Teatro em Caixa. Cantarolou um pouco a música Stand By Me e a maioria dos elementos rapidamente disse "Eu conheço essa música". Ao cantar com a letra original fez com que todos tentassem acompanha-lo com um inglês macarrónico. Isso originou ao grupo uma enorme dificuldade em entender o ritmo correto da canção. Percebi então que o objetivo do maestro não era ensinar a música, mas sim reproduzi-la para que permanece-se no ouvido e se torna-se mais familiar. Seguramente que a versão final do tema não será interpretada com letra. 

Já por várias vezes que o Zar diz que todos têm a liberdade de improvisar quando acharem pertinente. Dentro da limitação imposta pelos motivos rítmicos já estipulados existe uma certa autonomia subjacente. 

Enquanto Zar começa a tocar os primeiros acordes todos os elementos expressam o seu agrado - o indivíduo F chega mesmo a gritar YES. Zar explica que gosta de terminar o ensaio com esta canção para que possam ir embora cheios de energia e vontade de voltar na próxima semana.   

O ensaio termina. O Rocco e o Zar expuseram-me as atividades em mente para este ano como a participação no Serralves em festa. Apesar de ser habitual, este ano eles não vão participar no Festival de teatro de Rua Imaginarius devido à complicada logística que existe relativamente a ensaios.

Durante a hora e meia de ensaio surgiu-me uma ideia: Porque não fazer um espetáculo, informal em que o grupo interagisse com o público? Porque não utilizar interfaces musicais como instrumentos da orquestra? Expus-lhes as ideias. Foram muito bem-recebidas. Para a semana vou levar o Makey Makey e perceber como eles reagem.


© 2017 Mónica Reis. Todos os direitos reservados.
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